Márcio Coutinho
De um período para cá, felizmente, uma enormidade de seguidores do anglicanismo, como bispos, padres e fiéis, passaram a voltar ao seio da Igreja Católica depois de quase cinco séculos de cisma.
As renovações progressistas dos lideres anglicanos – como ordenações sacerdotais ou sagrações episcopais de mulheres (foto ao lado) e homossexuais assumidos -, escandalizaram vários anglicanos ao ponto de paróquias inteiras desejarem voltar ao catolicismo.
Em sentido contrário, uma organização denominada
“Iniciativa dos Párocos Austríacos” (“Pfarrer-Inititiative”) fez um
“Apelo à desobediência”. Trata-se de um manifesto assinado por 300 padres católicos austríacos, liderados pelo pároco Helmut Schüller, endereçado à Igreja Católica, no qual exigem uma mudança da disciplina, da moral e da doutrina da Igreja . (Cfr. Zenit online, 5/9/2011)
O
“Apelo à desobediência” – feito em 19 de junho de 2011 –, em tom de ameaça, exige o fim do celibato eclesiástico, a ordenação sacerdotal de homens casados na Igreja de rito latino, a ordenação de mulheres ao sacerdócio, a redução e substituição da Missa pela
liturgia da Palavra, a distribuição da Eucaristia a todos, sem restrições aos divorciados, pessoas de outras religiões, apostatas ou excomungados.
Assim como o cisma anglicano acabou, entre outras coisas, com o sacramento do matrimônio – respaldado pela sua indissolubilidade – e com a obediência ao Vigário de Cristo, o
“Apelo à desobediência” dirigido à Igreja Católica por clérigos austríacos, parece seguir rumos semelhantes.
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Os abusos nas dioceses austríacas é uma constante dos últimos anos. Na foto, um padre segura um ostensório modernista tendo ao fundo uma mesa que sugere que a Missa é um mero banquete. |
Em declaração recente de 5 de setembro(
Zenit online) sobre tal insurreição do clero, o cardeal Christoph Schönborn , presidente da Conferência Episcopal Austríaca (CEA), em entrevista, explica “
que o “apelo à desobediência” contra a hierarquia legítima da Igreja não só não está justificado, mas também constitui um motivo de escândalo para os católicos”.
Contudo, em meados de março deste ano, uma declaração do próprio cardeal Schönborn fez suscitar a polêmica e abrir precedência sobre a controvérsia. O prelado afirmou, na inauguração dos trabalhos da CEA, que, na Igreja, “deve haver um debate aberto, inclusive na questão do celibato”. Diante de tal declaração, imediatamente o cardeal Mauro Piacenza, presidente da Congregação do Clero, lhe respondeu: “O celibato é um dom de Deus” e “grita ao mundo secularizado que Deus está presente”. (cfr. Reportagem, Religión Digital, 24/3/2011)
Em que medida esta declaração do cardeal Christoph Schönborn pode ter favorecido ou ao menos encorajado os autores do referido
“Apelo a desobediência”?
Em um artigo publicado no
L’Osservatore Romano, em sua edição de 23 de março deste ano, o cardeal Piacenza lembra que o celibato é um tema fundamental no Magistério da Igreja e que “só uma incorreta hermenêutica dos textos do Concílio Vaticano II poderia levar a ver no celibato um resíduo do passado do qual devemos nos libertar”.
O prelado da Cúria romana acrescenta ainda que o fim do celibato, “além de ser errada histórica, teológica e doutrinalmente, também é prejudicial para os aspectos espiritual, pastoral, missionário e vocacional” e ressaltou também que “o celibato é uma questão de radicalidade evangélica”.
Neste contexto – não querendo me estender demasiadamente – vemos que essa problemática não se restringe apenas ao clero austríaco. Segundo
O Estado de São Paulo, em
2008, a CNBB teve que censurar um texto da Comissão Nacional dos Presbíteros (CNP), aprovado por 430 delegados que representavam os 18.685 padres brasileiros, que sugeria propor ao Vaticano
“possibilitar outras formas de ministério ordenado que não seja apenas a do presbítero celibatário”. “Isso significa, na prática, a ordenação de homens casados e a readmissão de padres que deixaram suas funções para se casar”, afirma a reportagem (Cfr.: OESP, 12/4/2008).
Essas conversões dos anglicanos – bem como as inúmeras outras que ocorrem no mundo inteiro – e o modo como estão ocorrendo, vem nos demonstrando como o Espírito Santo age
em sua Igreja para preservar as disciplinas morais, das quais eximiamente Nosso Senhor Jesus Cristo deu exemplo e para as quais pediu sua observância.
Parece que o anseio por essa observância dos princípios morais crepita sobre as cinzas da iniquidade dos costumes em um “
mundo libertário” que não quer que eles voltem à luz do dia.
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Segue abaixo a íntegra do manifesto: o “Apelo à desobediência”, publicado na página da “Iniciativa dos Párocos Austríacos”, www.pfarrer-initiative.at. Eis o texto:
A recusa de Roma a uma reforma da Igreja há muito esperada e a inatividade dos nossos bispos não só nos permitem, mas também nos obrigam a seguir a nossa consciência e a agir de forma independente.
Nós, padres, queremos estabelecer, no futuro, os seguintes sinais:
1. Rezaremos, no futuro, em todas as Missas, uma oração pela reforma da Igreja. Levaremos a sério a palavra da Bíblia: pedi e receberei. Diante de Deus, existe a liberdade de expressão.
2. Não recusaremos, em princípio, a Eucaristia aos fiéis de boa vontade. Isso é especialmente verdadeiro aos divorciados de segunda união, aos membros de outras Igrejas cristãs e, em alguns casos, também aos católicos que abandonaram a Igreja.
3. Evitaremos celebrar, se possível, nos domingos e dias de festa, mais de uma Missa ou de encarregar padres em viagem ou não residentes. É melhor uma liturgia da Palavra organizada localmente do que turnês litúrgicas.
4. No futuro, vamos considerar uma liturgia da Palavra com distribuição da comunhão como uma “Eucaristia sem padre”, e assim nós a chamaremos. Dessa forma, cumpriremos a nossa obrigação dominical em tempos de escassez de padres.
5. Rejeitaremos também a proibição da pregar estabelecida para leigos competentes e qualificados e para professoras de religião. Especialmente em tempos difíceis, é necessário anunciar a Palavra de Deus.
6. Comprometer-nos-emos a que cada paróquia tenha o seu próprio superior: homem ou mulher, casado ou solteiro, de tempo integral ou parcial. Isso, no entanto, não por meio das fusões de paróquias, mas sim mediante um novo modelo de padre.
7. Por isso, vamos aproveitar todas as oportunidades para nos manifestar publicamente em favor da ordenação de mulheres e e de pessoas casadas. Vemo-los como colegas, e colegas bem-vindos, ao serviço pastoral.
Além disso, sentimo-nos solidários com aqueles colegas que, por causa do seu casamento, não podem mais exercer as suas funções, mas também com aqueles que, apesar de um relacionamento, continuam prestando seu serviço como padres.
Ambos os grupos, com sua decisão, seguem a sua consciência – como nós fazemos com o nosso protesto. Nós os vemos, assim como o papa e os bispos, como “nossos irmãos”. Não sabemos o que mais deve ser um “coirmão”. Um é o nosso Mestre – mas somos todos irmãos. “E irmãs” – se deveria dizer, no entanto, entre os cristãs e cristãos.
É por isso que queremos nos levantar, é isso que queremos que aconteça, é por isso que queremos rezar. Amém.
Domingo da Trindade, 19 de junho de 2011