Gregorio Vivanco Lopes
A velha senhora, recostada em sua cadeira de balanço, com um vestido escuro que lhe chegava aos tornozelos, discretamente enfeitado com galões dourados, calma, aureolada por uma certa majestade, olhava penalizada para sua netinha.
A menina, de pé, com um vestidinho branco que ressaltava a inocência de sua fisionomia, apoiava as pequenas mãos sobre os joelhos da avó.
D. Rosália fora atingida em seu mais íntimo pela pergunta da netinha. Jamais, em seu remoto tempo de menina, tal pergunta teria sido possível. As crianças como que nasciam sabendo o que era o Natal. Todo o ambiente que as envolvia falava do Natal, boa parte do ano transcorria na expectativa da chegada daquela noite sagrada em que se comemora o nascimento de nosso Salvador. A noção de Natal era então, para uma criança, tão viva e conatural como a do ar que ela respirava.
Agora, nesta época neopagã, varrida pelos ventos gélidos do indiferentismo religioso, abalada em seus fundamentos pelo relativismo filosófico, desagregada pelo permissivismo moral, como comunicar a uma tenra menina a idéia de Natal? E não só a idéia fria e inoperante, mas o calor de alma, a elevação de espírito, as graças próprias do Natal?
Levada por tais cogitações, a boa senhora de repente se deu conta de que os olhos azuis e límpidos da netinha já a fitavam com ansiedade. Então, cheia de mansidão, começou a falar.
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— “Minha filha, Natal é doçura, é paz. Natal é alegria inocente, é felicidade de dar, é o esquecimento de si mesma. Natal é amar, é adorar, é prostrar-se contente ante Deus. Natal é ternura por ver o pequeno, o frágil que se quer proteger; é admiração ante o grande e o forte que é mais do que nós, que se quer venerar.
“Natal é um ambiente em que os anjos, presentes, se fazem sentir sem se deixar ver. É um clima de bênçãos vindas do Céu que nos enche a alma e nos torna propensas a toda forma de bem. E o mal se recolhe em seus antros e covas, não suportando a luz.
“Natal é o presépio, montado na sala, com Nossa Senhora e o Menino Jesus, e também São José; com a estrela no alto da gruta brilhando e anunciando: Nasceu!; com o burrico e o boi, quase humanos, aquecendo o Menino em palhas deitado; com os pastores longe, envoltos em luz; com as fontes, os lagos, os montes e as flores que a imaginação pressurosa de cada fiel quer ver circundar o palácio — tão pobre! — do Rei.
“Natal é o pinheiro pequeno e esbelto, coberto de fitas, de luz e de cores.
“Natal é a Missa do Galo, assistida de noite na igreja, com flores e cantos, com música e luz, com festa, com suave alegria, com grande esplendor. Seguida da ceia para comemorar o nascimento do Menino Jesus.
“Natal é o presente envolto em carinho que a mãe dá ao filho; é o almoço em família com um pouco de vinho, com passas, com nozes e amêndoas, com grande união.
“Natal são os cânticos que elevam o espírito, e nos falam, sublimes e alegres, do Menino-Deus. É o sino tão belo que toca distante na igreja…
“Natal é sentir-se bem próximo, bem junto a Nossa Senhora e ao Menino Jesus; quiçá até Ela nos deixe tomá-Lo nos braços para O adorar.
“Natal, minha filha, é uma graça tão grande, tão grande, que foi dada ao mundo para termos, aqui nesta terra, um pouquinho do Céu. Tal graça nos veio porque há muito tempo, lá longe em Belém, cidade distante que você não conheceu, nasceu um Menino para nos salvar. Foi-nos dado, Ele é nosso, e entretanto é o Filho de Deus.
Sua mãe é Maria, também nossa mãe, que por nós O mereceu. Ela O desejou antes de Ele vir ao mundo, e por isso sua vinda ocorreu. Ela O amou tanto que ninguem sabe medir o grau desse amor entre os dois, e essa grande união! É um segredo de Maria, que Ela comunica a quem Ela quer. Mas há no Natal uma bênção que desce do Céu e faz sentir a todos os homens algo das graças dessa união”.
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A menina estava literalmente embevecida com tudo quanto ouvira. Mas não só com o que ouvira. Durante a narração, ela notara no timbre de voz harmonioso da avó, na sua expressão fisionômica radiosa, na elevação compassada de seus gestos e sobretudo em seu olhar cheio de doçura, de luz e de paz, ela notara, ou melhor ela sentira as graças do Natal.
Era 25 de dezembro de 2011. Naquela sala despretensiosa e digna, em duas almas tão desiguais mas tão afins, as graças do Natal haviam milagrosamente revivido!
— “Mas vovó, por que não há mais Natal?”
— “Minha filha, não se angustie, o Menino da gruta de Belém e sua Mãe Santíssima não nos abandonam jamais. Se os pecados dos homens e das nações fizeram com que as graças do Natal, escorraçadas por toda parte, se refugiassem no Céu ou nos fiéis desta Terra, é para que voltem ainda mais intensas e penetrem nas almas em profundidade ainda maior.
“Foi por meio de Nossa Senhora que nos veio o primeiro, o único, o grande, o eterno Natal, Nosso Senhor Jesus Cristo. Peçamos a Ela que as grandes graças que Ele ainda quer dar ao mundo nos futuros Natais, venham na sua plenitude, venham sem demora, minha filha!”
Enquanto a menina continuava transportada de enlevo, a velha senhora tomou com respeito em suas mãos a Sagrada Escritura, osculou-a e leu compassadamente a passagem em que o Profeta Isaias, muitos séculos antes do magno acontecimento, descreve admiravelmente a vinda do Redentor do mundo:
“Este povo, que andava nas trevas, viu uma grande luz; aos que habitavam na região da sombra da morte nasceu-lhes o dia (…). Eles se alegrarão quando tu lhe apareceres, como os que se alegram no tempo da messe, e como exultam os vencedores com a presa que tomaram, quando repartem os despojos. Porque tu quebraste o pesado jugo que o oprimia e a vara que lhe rasgava as espáduas, e o cedro do seu exator (..).
“Porquanto um menino nasceu para nós, e um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus Forte, Pai do século futuro, Príncipe da paz. O seu império se estenderá cada vez mais e a paz não terá fim (..) fará isto o zelo do Senhor dos exércitos” (Is. 9, 1-7).
Fonte: IPCO, dezembro de 2011.
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