Você é indiferente
às diferenças?
Leo Daniele
Um casal distinto. Vê-se até
pelo modo de fazer sinal para o taxi. O marido abre a porta para a senhora
subir. É um casal de meia idade, da sociedade de São Paulo. Bem vestido, sem
excessos. Mas para Josmair, o motorista, eram apenas dois passageiros comuns.
“Contanto que paguem pela corrida, são todos iguais”. Banco da frente, banco de
trás, dois mundos. Completamente indiferente às diferenças, Josmair tinha
apenas certo receio de que eles fizessem exigências. Qual nada, apenas pediram
para desligar o rádio, que vociferava uma música agitada e de mau gosto, o que
Josmair fez com certa má vontade. Fora disto, a corrida transcorreu e terminou
normalmente.
Passou-se uma par de horas,
de volta para casa o marido faz novamente sinal para outro taxi. O motorista era
Raimundo, um brasileiro expansivo que percebeu logo tratar-se de um casal
distinto. Preocupou-se em que estivessem bem cômodos, em que o ar condicionado
estivesse bem para eles. Desligou o rádio espontaneamente, pois sentira um
pouco de temor reverencial diante do refinamento daquele par. Transmitia, em
suas palavras, a simpatia que sentia, e a simpatia era recíproca. O terço preso
no espelho do carro completava o episódio.
Nem ele nem o casal eram
indiferentes às diferenças: os passageiros eram distintos e amáveis, ele era
atencioso e serviçal. E quando terminou a corrida, Raimundo, em mau português,
disse: “A zorde, patroa”. Enquanto dava a partida, disse para seus botões, em
termos também muito populares: “Gente fina é outra coisa!”
Duas atitudes típicas, a de
Raimundo e a de Josmair. Muito diversas em termos de sensibilidade. Josmair era
indiferente às diferenças, o que não acontecia com Raimundo.
Como é óbvio, esse problema
da indiferença diante das diferenças não existe apenas entre os motoristas de
taxis e os passageiros… Os exemplos dados mostram episódios minúsculos, mas não
esqueçamos de que a vida é feita quase toda de pequenos episódios.
Às vezes um povo inteiro
pode não ser indiferente às diferenças. Por exemplo, os ingleses ao rebatizar a
famosíssima Torre do Big-Ben, às margens do Tâmisa, com o nome de Elizabeth
Tower, por ocasião das bodas de diamante da coroação da atual rainha da
Inglaterra. Isto foi há dias.
Temos então duas atitudes
possíveis: a admiração de quem é sensível às diferenças e o fechamento do
egoísta. Por exemplo, uma pessoa vai caminhando por uma rua de Ouro Preto, e se
depara com uma linda igreja colonial, ou com uma obra do Aleijadinho. Ou a
aprecia e admira, ou a vê como se fosse uma banalidade, e não desperta nela
nenhuma reação. É tanta a indiferença, que pode até escrever seu nome com um
canivete no pedestal da obra de arte. Vale tudo para um indiferente.
Dr. Plinio põe nos lábios de
uma pessoa que seja assim as seguintes palavras: “eu entro na minha ‘vidinha’,
meu trabalhinho, meu estudinho, meu probleminha, minha carreirinha, meu
dinheirinho”[1], mas não penso nas coisas maiores, para as quais nasci e que
devo analisar, devo admirar ou rejeitar. Este se entrega à “vidinha”.
Pode ser o pensamento de
alguém que deseja ser “indiferente às diferenças”. Ou a atitude de alguém
diante das desigualdades que vê nos outros. Pois essa indiferença é uma atitude
prática: podemos afundar tranquilamente em nosso egoísmo, sem precisar julgar a
fundo coisa alguma, nem muito menos fazer um elogio, ou enunciar uma crítica.
Ora, as diferenças existem para as considerarmos sem indiferença, com elevação
e nobreza de alma.
[1] Conferência em 1966.
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